O tal Sábado que nunca mais chegava. 7 de Outubro. Nunca
tinha tido processo destes tão talhado pela doçura como aconteceu com Igor, que
fez o atendimento virtual de Bilotta Tattoo (da Don't Cry Collective). Sentia-me em casa, antes sequer de ter
chegado, e não, não é exagero.
Quem é Bilotta? Pois bem, chegou a mim de surpresa. Como foi
sempre, esperava um sinal do universo de quando e como tornar derradeira em mim
a auto libertação de que tinha escrito o manifesto recentemente. Sabia que a
resposta era Frida. Encontrei Bilotta Tattoo no Facebook, quando não procurava
sequer, nesse compasso de espera. Apaixonei-me. “O tatuador mais fixe do Rio de Janeiro”,
estava escrito. Não tive dúvidas porquê. Até self-tattoos ele tinha feito, de
perder o ar.
Ficava em Lisboa até ao fim do mês e zarpava. Era a vida a dizer-me que era
agora. O caminho fez-se.
Batiam as quatro da tarde certas, quando cheguei ao estúdio.
Nervosismo nada, por mais estranho que fosse. Bilotta sorriu-me enquanto saía
do carro. Os meus olhos brilhavam, tenho a certeza. “Então, me fale de Frida, me conta.” – abriu-se mundo ali.
Falei dela como se fosse eu, falei de mim como se fosse ela, não sei bem onde
se apaga o nosso ponto de fusão na verdade. Olhei Bilotta nos olhos, como
raramente faço. E ali havia verdade. Tanto foi que não tardámos a falar de fado
sequer. E se precisasse de mais certezas de que tínhamos o mesmo comprimento de
onda, estavam ali.
Desenhou em mim o primeiro rascunho. Disse ele que era só a
parte de criança a divertir-se com uns rabiscos. Frida foi baixando em nós.
Conversámos como se nos conhecêssemos há anos. Bilotta teve uma facilidade de
mestre em ver-me para além do que se vê mais imediatamente. O processo todo
fluiu. A energia toda fluiu. Mostrei-lhe Raquel Tavares. Ouvimo-la. Falei-lhe
de Alfama, também se tinha apaixonado já. Mais uma prova de que era dos meus.
E entre dedos de conversa sobre arte e existências,
estudámos Frida, vi-o absorvê-la, enquanto me agradecia várias vezes o presente
de fazer isto. Aquele não sei quê de onda gigante que une os que são desta raça
estava ali, diante dos nossos olhos. Captou-a. Amor à primeira vista.
À primeira linha disse “Que Frida esteja connosco.” E esteve,
se esteve. Seis horas passaram. Uma eternidade xamânica. Uma dor de
metamorfose. Lágrimas na linha de transbordo às vezes, por cada ponto de asas
que se fazia pele. Outras vezes uma tranquilidade quase transe. Estou quase
certa de que nas nossas respirações estavam até entrelaçadas. Olhávamo-nos nos
olhos um ao outro e estava ali patente – a força de Frida, a minha libertação,
a arte que só se faz com esta entrega.
Bilotta deu-me as asas. E tenho a certeza que o soube tão
bem quanto eu. Estava na cara. Estava na pele. Estava naquelas palmas que
batemos e que pareceram ecoar por Lisboa inteira quando levantou a agulha do
último ponto, era uma da manhã.
Se Frida esteve connosco? O que havia de Frida em nós
emergiu ali. Foi isso que nos atou os laços, estou certa. Bilotta ficou um
amigo. Pouco me importa o imediatismo com que o digo, abri-lhe a porta à minha
raiz. E ele, com a sua arte elevada, deixou-me gravada a certeza que não me
havia de esquecer da força que essa raiz tem.
“Pies, para qué los quiero si tengo alas pa’ volar?”
escreveu Frida no diário, corria 1953. Foi a frase que deu mote a isto tudo.
Meta-voo dos meta-voos… Frida tornou-se as asas ela mesma. Foi dia de
metamorfosear-me, ode à auto libertação, manifesto na pele, se foi. Saí alada.
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