Wednesday, January 17, 2018

"Pessoas, pessoas por este mundo além…" | André Mendonça


Fonte: https://jessiaconstantino.atavist.com/were-all-equal


Nota: Este é um texto de reflexão e introspecção para despertar consciência.

Pessoas, pessoas por este mundo além… Alguém faz ideia de como se pode conhecer pessoas com cabeça, com conteúdo, hoje em dia? Onde andam as pessoas boas?
Num mundo em que as apps são o principal sítio onde as pessoas se conhecem, vivemos num mundo de valores todos trocados, o acto de conhecer os amigos dos amigos parece que desapareceu...
Só muito de vez em quando se conhece alguém decente, mas o que costuma acontecer normalmente é conversa de aparências, e na realidade e na vida real a pessoa é outra… 
Falo com imenso conhecimento de causa! Já experimentei e testei imensas apps de encontros (Tinder, Badoo, Grindr, Hornet, Surge, Scruff, Happn, Bumble, Manhunt, GayRomeo, Gaydar, Moovz, Feeld, OkCupid, BoyAhoy e Bro) e tenho informação suficiente para fazer um mestrado/doutouramento nesta matéria!
Em mais de um ano de uso só fiz um VERDADEIRO amigo por lá, por mero acaso. Vivemos num mundo onde tenho de falar com pessoas não-portuguesas para ter RESPEITO por quem sou, pela minha identidade de género (transfemenino) e condição médica (paralisia cerebral). Passa-se de um "ser atraente" para uma pessoa marginalizada...

Mais de 99% do pessoal nas apps está mais voltado para #agora #sexo #brincarcomsentimentos #usaredeitarfora #masc4masc #discretos #bear4bear #gym4gym #gympartner #nofemmes #nodivas #nocouples #nodisabled #foradomeio #heterocurioso #etc..." é para mostrar várias formas inocentes de descriminação camuflada em "preferências"
É horrível esse preconceito todo vindo da própria comunidade!
O ano de 2018 começa da melhor forma. Estou na mais recente edição da revista Vogue Portugal a dar visibilidade com o meu testemunho enquanto pessoa Trans (transgénero, queer, não binário, género fluido, andrógino, transfeminino). Fazer a diferença. Um mundo melhor. Liberdade para ser se nós próprios. Sem filtros. [Assista ao vídeo clicando aqui]
O mundo precisa de mais pessoas assim!
Estou num artigo sobre pessoas Trans. Custa muito lutar, ultrapassar barreiras, dar o primeiro passo expor-se em prol dos outros e ver que o esforço e dedicação são em vão...
A esmagadora maioria das pessoas que já conheci não é capaz de ter respeito pela pessoa que sou, sem ter algum problema com o ser Pessoa: ser gay assumido ou ser transgénero ou ter paralisia… muitos consideram que, ao começar a afirmar-me, que deixei de ser eu, de ter as minhas qualidades, os meus valores, os meus ideais, os meus interesses.

Qual a probabilidade de descobrir alguém, para além do meu atual parceiro, que: 
* respeite os meus ideais, crenças e convicções;
* respeite a minha orientação sexual
* respeite a minha identidade de género, a minha dualidade e a minha feminidade;
* respeite o facto de eu ter deficiência e as implicações que isso traz;
* respeite o eu considerar-me poliamoroso assim como o meu parceiro e não há nada de errado com isso, não, não somos aliens;
* respeite e compreenda os traumas que eu tenho devido ao meu passado, pois não o escolhi
* respeite a minha situação socio-económica
O resultado desta “multiplicação de probabilidades” de um ponto de vista matemático, dá um número fantástico, perto de zero. (risos)

É grave isto estar-se a tornar numa comunidade assim, e é ainda mais triste só conseguir aceitação de pessoas estrangeiras. 
Para além de não poder contar com a minha família de sangue, perdi 99% dos amigos ao sair do armário enquanto pessoa T, fogem de mim por ter a coragem de ser eu mesmo, ou então atacam-me. Rejeitam-me por tudo e por nada, por ter o cabelo comprido, por ser feminino, por ter PC (Paralisia Cerebral), etc. 
Respeito e Aceitação = ZERO!
André Mendonça

Mal vêem uma foto minha deixam de me falar, não há quem consiga ter a capacidade e dar-se à oportunidade de me conhecer enquanto pessoa, enquanto humano. Porque aí sim vão conhecer a verdadeira pessoa que sou e surpreender-se.
Uma mensagem a todas as pessoas que estiverem a ler isto e tem algum tipo de complexo com alguém como eu: “Sou Pessoa, Sou Humano, Sou Válido, tenho Orgulho em mim. Sou bem resolvido. Sabem qual é o vosso problema? Falam demais. Não se respeitam nem se aceitam a si próprios, são machistas e tudofóbicos, por favor parem de atacar os outros.”
Já tive "ex-amigos” (questiono-me se alguma vez como pude ser amigo de pessoas assim), a dizerem que não saem comigo por eu estar a usar um vestido. A comunidade não consegue (no geral) respeitar quem é "diferente", quem foge à regra, quem desafia os padrões do que quer que seja, ser visto como activista também não é olhado com bons olhos, nem há espaço pra isso. A essência das pessoas deveria sempre prevalecer e sobrepor-se a tudo o resto...mas o mundo já não é assim!!!

Custa-me não ter vida social (complicado quer pela falta de amigos/interação social e por os ambientes que existem para esse efeito serem bem transfóbicos, normativos e machistas) não ter praticamente amigos, fazer tudo aquilo que alguém da minha idade faz... Não me sinto a viver e aproveitar de forma consciente e correcta os meus vintes anos.. muitas das vezes sinto-me com 30 e poucos anos quando só tenho ainda 21 e muito pela frente para viver...
Há imensa falta de empatia, entreajuda, união. É duro, muito duro ter de ultrapassar diversas tantas barreiras e desafios para poder concretizar algo básico, que muitos até podem não dar valor. Mas para mim pode significar o universo. 
Tem de haver muito mais consciência da complexidade e peso que se atribui aos problemas, eu tenho 99 problemas e a paralisia cerebral é só um deles.
André Mendonça. Vogue . Janeiro 2018.

Sabem o que é ter o dia a dia numa luta constante?  Há dias em que desejava ter um pouco de paz e uma lufada de ar fresco e onde arranjar forças para levantar o queixo, para lutar sorridente sem ter sempre um novo problema a surgir atrás de outro e irem-se acumulando…uma pequena grande bola de neve…
Saiam também da cave do preconceito, do conservadorismo, dos estereótipos, e fechem a porta a sete chaves com as fobias lá dentro!
Estamos em 2018, espalhem AMOR, por favor.




Texto editado e sujeito a algumas alterações para efeitos de publicação.

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